A Invisibilidade dos coletores de Lixo

 

Por Fernanda de Freitas e Poliana Gomes

 

 

Quando colocamos na rua o lixo de nossas casas, deixamos com ele a nossa responsabilidade pelo próprio. Sentimos que nosso papel termina ali. Deixando o lixo na rua nos livramos de tudo que não nos serve mais, voltando ao nosso lar com a consciência tão leve quanto nossas lixeiras. Nosso lixo acaba quando damos o último nó na sacolinha, colocando-a fora da nossa casa, longe dos nossos olhos. Pois bem: é aí que o serviço dos “invisíveis” acabou de começar.

 

Entre o nosso grande papel de colocar os resíduos na lixeira da rua e o seu posterior desaparecimento, entra em cena o coletor. Com a invisibilidade de um mito, destina nosso resíduo e tira de cena os “não desejados” – o desnecessário – de cada residência. Tal visão sobre esse profissional, ao que parece, se baseia unicamente na imagem deste a partir de opinião pessoal, e do que é tido como consenso socialmente: lixeiro.

 

Pois bem, não temos lixeiros. “Lixeiro é quem produz lixo, o coletor está limpando”.[1] A atividade profissional, invisível, faz falta somente quando nosso lixo não sumiu “por mágica” da nossa porta. É incrível que sintamos falta daquilo que no dia-a-dia não reconhecemos. Ainda em relação a estes profissionais, mesmo quando os vemos, não os enxergamos de forma real, exatamente como pessoas comuns cumprindo sua jornada de trabalho. No entanto, podemos dizer que o único aspecto que distancia os coletores de nós, lixeiros – já que, nós sim, produzimos lixo – é que estes sabem o que fazer com o lixo. Reflito se nos distanciamos tanto deste profissional por ele trabalhar com o que, de forma geral, “eu não quero mais”, mas que para ele é matéria-prima do seu serviço.

 

O que significa para você ser um coletor? Transitamos a extremos, associando sua imagem ou ao sofrimento, ou ao heroísmo por trabalho tão pesado, e principalmente, como cumprindo do castigo de quem não estudou. É comum ouvirmos até mesmo nas escolas – local onde o preconceito não deveria estar matriculado – que “até para ser coletor de lixo precisa de estudo”, sendo semeada ainda mais essa discriminação ao associar este emprego como o nível mais baixo em uma escala de merecimentos. Num mundo em que não se quer mais tanta coisa e, quase tudo está a ponto de “não servir mais”, realmente, isso requer muito além de estudo, graduação, horas de leitura e certificados, coletores ensinam todo dia, mais uma vez invisíveis, um pouco de cidadania.

 

Com toda certeza: o coletor trabalha sob chuva, sob sol, e agora até podemos dizer que sob neve. Mas eu diria ainda que sob preconceitos e sob invisibilidade, suas condições adversas vão muito além das condições climáticas.

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[1] Resposta fornecida por um colaborador da Ecovale Tratamento de Resíduos Urbanos à pergunta “O que significa para você ser um coletor” em entrevista realizada para a Caracterização Psicossocial da Organização, do Estágio em Psicologia Organizacional e do Trabalho, desenvolvido pelas acadêmicas de Psicologia da Universidade do Contestado sob orientação da Profª Ms. Daniele Jasniewski.

 

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